O Ministério Público do Trabalho em Mato Grosso do Sul ajuizou ação civil pública contra nove advogados de Minas Gerais e um escritório sediado em Belo Horizonte após identificar práticas de litigância abusiva e fraude processual em milhares de ações trabalhistas ajuizadas em todo o país. O caso tramita na 2ª Vara do Trabalho de Campo Grande.
A ação é resultado de inquérito civil que reuniu um conjunto robusto de provas sobre a atuação do grupo. Segundo o MPT, os profissionais estruturaram um modelo de demandas em série, utilizando petições iniciais padronizadas, ausência de individualização de fatos, valores excessivos e ações sem respaldo probatório mínimo.
O órgão pede a condenação dos réus ao pagamento de R$ 15,2 milhões por danos morais coletivos, além de obrigações para impedir novas irregularidades. Entre elas, a proibição de captar clientes com promessas irreais, ajuizar ações sem análise individual, inflar valores de pedidos, empregar marketing agressivo e orientar testemunhas com roteiros ou vantagens financeiras. Também é solicitada a vedação ao uso de documentos com assinaturas irregulares.
A investigação teve início a partir de processos remetidos pela 7ª Vara do Trabalho de Campo Grande. Segundo o MPT, o escritório figura em 29.090 ações trabalhistas no país, sendo 21.354 contra a Via S/A (antiga Casas Bahia). Em Mato Grosso do Sul, o grupo patrocinou 1.224 ações, das quais 878 tinham a empresa como parte. Até setembro de 2024, a Via identificou 139 casos com condenações por litigância de má-fé, somando pedidos que chegam a R$ 76,2 milhões.
Outras grandes varejistas também aparecem entre os principais alvos das ações: o Magazine Luiza (1.686 processos) e a RN Comércio Varejista (165 ações no Estado).
Uma das decisões que chamou atenção foi proferida pelo juiz Marcelo Alexandrino da Costa Santos, da 3ª Vara do Trabalho de Nova Iguaçu (RJ). Ele constatou que clientes se comunicavam com os advogados apenas por aplicativos de mensagens e assinavam documentos eletrônicos sem conhecer o teor. Também identificou repetição de assinaturas, relatos idênticos entre ações e uso de petições padronizadas contra empresas distintas. O magistrado registrou que o advogado titular do escritório é ex-funcionário de uma das empresas demandadas, o que, segundo ele, o colocaria “em posição privilegiada para traçar estratégias exploratórias da vulnerabilidade da empresa”.
Depoimentos colhidos pelo MPT reforçaram o esquema. Um ex-empregado da Via relatou ter recebido promessa de pagamento entre R$ 300 mil e R$ 400 mil e disse ter sido pressionado por contatos insistentes do escritório para autorizar nova ação sem análise prévia do histórico trabalhista.
O inquérito também apontou envio de roteiros com instruções para testemunhas, uso de procurações com assinaturas divergentes e repetição de relatos padronizados. Em decisões de diferentes tribunais regionais do Trabalho, foram identificados indícios de orientações para depoimentos falsos e outros artifícios considerados fraudulentos.
Durante a apuração, o MPT ofereceu duas oportunidades para assinatura de Termo de Ajuste de Conduta (TAC). O titular do escritório recusou as propostas e afirmou que ele e sua equipe “nunca praticaram qualquer ato de advocacia ou litigância predatória”.
Com a negativa e diante das evidências coletadas, o MPT ajuizou a ação pedindo medidas inibitórias e reparação por danos morais coletivos. Para definição do valor, o órgão considerou a gravidade das condutas, o alcance nacional do esquema, a capacidade econômica dos réus e o caráter pedagógico da condenação.
A ação segue em tramitação.
Da Redação
Foto: Assessoria