Foram concluídas, na última semana, as filmagens de Hendy’a Rapykwere, curta-metragem de 17 minutos que mistura documentário, ficção e realismo fantástico para retratar a luta e a espiritualidade de jovens indígenas LGBTQIAPN+. As gravações ocorreram em território de retomada em Douradina e na aldeia urbana Jaguapiru, em Dourados, com elenco 100% indígena e equipe majoritariamente formada por negros, pardos e indígenas do interior de Mato Grosso do Sul.
A narrativa acompanha Gualoy KG, jovem Guarani-Kaiowá de 20 anos, liderança do coletivo Juventude Indígena Diversidade Guarani/Kaiowá MS. Ele leva para a tela experiências pessoais e de outros jovens, expondo desafios e resistências diante de violências coloniais e fundamentalismos religiosos.
O filme também resgata a memória de Tybyra do Maranhão, indígena Tupinambá executado em 1614 e considerado a primeira vítima LGBTQIAPN+ das Américas. Condenado por colonizadores franceses, Tybyra foi lançado ao mar amarrado a um canhão. No curta, retorna como presença mítica interpretada pela atriz trans indígena Andrya Kiga, do povo Bororo.
“Minha inspiração vem da cosmovisão indígena, dessa forma tão rica de enxergar o mundo em que o real, o mítico e o espiritual caminham juntos. Esse filme só existe porque é coletivo, porque o roteiro foi moldado pelas vivências trazidas pela comunidade. Eu entendo meu lugar como um facilitador, alguém que cria condições para que essas vozes ecoem com força”, afirma o diretor Marcus Teles.
A produtora e roteirista Michele Kaiowá ressalta a coragem da obra: “Gravar dentro do território Guarani-Kaiowá foi um desafio, entre os medos e as violências que ainda enfrentamos, mas também uma afirmação de que precisamos mostrar ao mundo a luta de jovens indígenas LGBTQIAPN+. É emocionante saber que estamos registrando não apenas a dor, mas também a força, a espiritualidade e a esperança de um povo que resiste para existir”.
Para Gualoy, atuar no filme foi transformador. “Nunca pensei que fosse atuar. Venho da militância, mas essa atuação é uma forma de liberdade espiritual. A cena em que Tybyra entrega o colar foi a mais marcante, porque trouxe a lembrança da minha avó, a continuidade do caminho do meu avô, a reza que me sustenta. Esse filme é fortalecimento — da cultura, da convivência e da nossa espiritualidade. É um espelho para que jovens indígenas LGBTQIAPN+ se reconheçam e percebam que não estão sozinhos”.
Andrya Kiga, que dá vida a Tybyra, reforça o caráter ancestral da personagem. “Tybyra tem a essência de um corpo livre dos padrões de gênero. Sua alma é liberdade, como o vento que atravessa tudo. Para mim, como mulher indígena trans, é um privilégio e uma conexão espiritual poder trazê-la à tela. É um corpo que foi apagado pela violência colonial, mas que agora retorna como guia, lembrando que resistimos para existir”.
O curta, que usa a água como símbolo de dor e cura, será agora finalizado para circular em festivais, mostras audiovisuais e debates em universidades. O projeto conta com recursos da Política Nacional Aldir Blanc (PNAB), do Ministério da Cultura (MinC), via edital da Fundação de Cultura de Mato Grosso do Sul (FCMS).
Da Redação
Foto: Assessoria/Marcus Teles